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sexta-feira, 25 de junho de 2010

Não podemos abrir mão de tecnologia.

Presidente da Embraer aposta em licitação da FAB para continuar a crescer no mercado internacional
Mário Simas Filho e Lino Rodrigues


É comum a indústria automobilística incorporar em seus carros produzidos em série as sofisticações encontradas nas máquinas da Fórmula 1. O mesmo vale para a indústria aeronáutica. Tecnologias desenvolvidas inicialmente para a defesa aérea acabam sendo aplicadas à aviação civil, permitindo a construção de modelos cada vez mais aprimorados. Apostando nessa máxima, a Embraer, quarta maior fabricante de aviões do mundo e segunda maior exportadora do Brasil, aguarda o resultado da milionária licitação feita pela Força Aérea Brasileira (FAB) para a compra inicial de 12 caças supersônicos. A disputa é acirrada, e não está em jogo apenas a compra de aviões de guerra. Para uma gigante mundial como a Embraer, a possibilidade de incorporar novas tecnologias representa o próprio futuro. “Tecnologia não se transfere apenas porque se assinou um documento. É preciso, numa ponta, o comprometimento de quem fabrica e, na outra, a capacidade instalada para a absorção dessa tecnologia”, diz Maurício Botelho, presidente da Embraer. Na manhã da terça-feira 2, ele recebeu a reportagem de ISTOÉ e mostrou estar otimista com a possibilidade de vencer a concorrência da FAB. “Sem dúvida, nosso consórcio com os franceses para a fabricação dos Mirage 2000–5BR é o que melhor atende aos interesses do Brasil e da FAB”, afirmou.

O otimismo de Botelho é justificável. Caso vença a disputa, a Embraer e o Centro Tecnológico Aeroespacial (CTA) terão acesso a todos os sistemas do Mirage 2000–5BR, inclusive seus códigos-fontes, o que permitirá à FAB inteira autonomia e independência sobre o caça e à Embraer a tecnologia necessária para poder continuar inserida no milionário e restrito mercado mundial de aviões. Nem a independência da FAB nem a total transferência tecnológica estão asseguradas nas demais propostas. Os russos, que disputam a licitação com o Sukhoi SU–35 em parceria com a Avibrás, podem até prometer acordos binacionais no setor aeroespacial, mas o avião oferecido por eles exigirá gastos suplementares da FAB para montar bases de apoio em terra, e, além disso, há informações de que a Sukhoi trabalha na finalização de uma parceria com a Boeing para a fabricação de jatos comerciais capazes de transportar de 80 a 120 passageiros, exatamente o mercado que a Embraer conquistou no mundo todo.


Fundada como estatal em 1969, a Embraer nasceu com o objetivo
de ser um pólo de desenvolvimento e de fornecimento de aeronaves
para a Força Aérea. Foi privatizada no final de 1994 e hoje é a
segunda maior exportadora do Brasil. Com sede em São José dos
Campos (SP), a empresa tem subsidiárias nos Estados Unidos, França, Austrália, China e em Cingapura e ostenta em seu currículo a marca de 1,5 mil aviões comerciais voando a serviço de 125 companhias aéreas de 30 países. Aviões de defesa também são exportados para outros 28 países. Além disso, a empresa nacional já está entregando à FAB caças F-5 e supertucanos ALX modernizados. A seguir, os principais trechos da entrevista de Botelho:

ISTOÉ – Para a Embraer, qual a real importância da licitação dos caças supersônicos feita pela FAB?
Maurício Botelho – Olhamos essa licitação de duas maneiras. A primeira é voltada para o País. O Brasil precisa ter uma efetiva capacidade de defesa aérea e isso se faz com caças supersônicos equipados com sistemas de navegação e ataque extremamente sofisticados, que permitem detectar e atacar alvos além de 40 quilômetros. Ora, isso não é feito pelo piloto. A missão é feita pelo conjunto de sistemas que integram o avião. São softwares que interligam os sistemas de detecção dos radares, de navegação do avião e os mecanismos de ataque, que estão nos mísseis. Estamos comprando máquinas de guerra, e para a Força Aérea o mais importante é assegurar a capacidade operacional desse avião e a independência sobre tudo o que faz essa máquina ser eficaz.


Aviões Tucano

ISTOÉ – Por quê?
Botelho – Há restrições estratégicas dos países que fabricam esses equipamentos. O Chile, por exemplo, comprou caças americanos. Obteve licença de importação dos aviões, mas os mísseis ficam estocados nos EUA, que devem ser comunicados com antecedência para liberá-los. Para a FAB isso não interessa.


ISTOÉ – Como a Embraer pode garantir algo diferente?
Botelho – O que oferecemos é muito diferente. Em nossa aliança
para os Mirage 2000–5BR, teremos acesso a todos os sistemas,
inclusive aos códigos-fontes, que nos permitirão colocar e programar mísseis de qualquer procedência nesses aviões. Isso assegura a independência da Força Aérea, além de nos dar toda a tecnologia
para a construção do avião.



ISTOÉ – O sr. falou da importância dessa concorrência para
a FAB. E para a Embraer?

Botelho – Chegamos onde chegamos graças a transferências tecnológicas. O primeiro projeto da Embraer foi o Xavante, produzido sob licença do fabricante italiano. Depois, veio o desenvolvimento do Bandeirante, um avião de transporte para tropas. Depois, o Tucano, um avião para treinamento militar. Veio, então, o Xingu, um avião executivo, o primeiro pressurizado, servindo também à FAB. Essa era a linha. Só crescemos com a efetiva transferência de tecnologia.







ISTOÉ – Como a Embraer se tornou uma gigante mundial?
Botelho – Começou na década de 80 e explica muito bem por que apostamos tanto nessa licitação. Na época veio o projeto AMX. Um caça-bombardeiro a jato desenvolvido em conjunto com empresas italianas. Um avião próprio para missões muito específicas, tecnologicamente muito sofisticado, mas que chegou em um momento comercialmente inviável. Ficou restrito à FAB, à Força Aérea Italiana e recentemente fechamos um contrato de fornecimento para a Venezuela. A partir do AMX, porém, houve uma revolução de engenharia e uma revolução industrial. Passamos a trabalhar com coisas que não trabalhávamos antes.


ISTOÉ – Que coisas?
Botelho – Tecnologia de jato. Dinâmica, estrutural, dos sistemas de controle de vôo, de navegação e de ataque. Uma série de coisas
que não fazíamos antes. Criou-se uma capacitação diferenciada na empresa que permitiu que na década de 90 nos tornássemos um dos líderes no mundo da aviação comercial, com a fabricação de jatos com 40, 50 lugares. A partir daí, estamos desenvolvendo essa família com aviões de 70 a 100 lugares. Se não houvesse o AMX, não teríamos a capacitação que temos hoje.

ISTOÉ – Quando veio o AMX, a Embraer já sabia onde chegaria com aquele projeto?
Botelho – A empresa visava desenvolvimento tecnológico e industrial. Mas não se sabia o que faríamos depois. Isso é assim mesmo. No final do processo, o conhecimento fica e a capacidade está instalada. Depois disso, é sua competência e criatividade que farão a empresa avançar ou não. Nessa área, quando se fala em futuro, tecnologia é um ativo do qual você não pode desistir. De 1995 a 2003, a empresa investiu US$ 1,7 bilhão. US$ 500 milhões foram só para capacitação. Não podemos ficar parados em um mercado global.

ISTOÉ – O mesmo resultado obtido com o AMX pode ser conquistado agora com os caças supersônicos?
Botelho – Sim. Quando se fala nas tecnologias supersônicas, nos conhecimentos que podem derivar da aplicação desse projeto, estamos falando de um valor que não posso abdicar. Essa licitação, para nós, é uma alavanca para o futuro. Com a tecnologia incorporada até agora, a Embraer bateu no teto.

ISTOÉ – Mas o sr. não sabe dizer o que fará exatamente com essa nova tecnologia?
Botelho – Não. Mas sei, por exemplo, que a Dassault já está desenvolvendo projetos para um avião executivo supersônico. A mesma coisa ocorre nos Estados Unidos. O Brasil não pode abrir mão de ser um dos líderes mundiais no mercado de aviões.

Alguns modelos EMBRAER





Frente verde-amarela
A Avibrás e Embraer, ambas empresas nacionais, ganharam um reforço na batalha pela venda dos 12 caças supersônicos para a Força Aérea Brasileira (FAB). Na noite da terça-feira 2, com o apoio formal de 160 deputados e senadores, foi criada a Frente Parlamentar em Defesa da Indústria Aeronáutica Brasileira. O objetivo é influenciar o governo na escolha dos aviões. A Avibrás disputa em associação com a empresa russa KnAAPO, e a Embraer formou consórcio com a francesa Dassault. Como o Congresso terá que aprovar a compra, a frente defende uma escolha que não se restrinja a aspectos técnicos. “Escolher uma empresa brasileira significa gerar emprego e renda no Brasil, além de o País ter acesso a tecnologias estratégicas”, defende o presidente da Frente, deputado Marcelo Ortiz (PV-SP).

Deputados da Frente lembram que a Embraer já é líder mundial na fabricação de aviões para vôos regionais e pode, a partir dessa licitação, dar um salto para o Primeiro Mundo, passando a competir neste segmento industrial em todos os níveis. Sem dúvida, é um argumento forte em favor da Embraer. A Avibrás, em parceria com os russos, aposta na possibilidade de Brasil e Rússia trabalharem juntos nos programas espaciais dos dois países, desenvolvendo, por exemplo, um novo VLS, de maior porte. Independentemente de quem vença, a composição da Frente mostra que os interesses da indústria aeroespacial brasileira estão mobilizando tanto políticos liberais favoráveis à abertura de mercado, como Delfim Netto (PP-SP) – vice-presidente da Frente –, quanto comunistas nacionalistas, como a deputada Vanessa Graziotin (PCdoB-AM). O principal argumento para o lobby a favor da indústria de aviação verde-amarela é que o Brasil não pode abrir mão de ter acesso a tecnologia de ponta.

Leonel Rocha

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