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quarta-feira, 10 de julho de 2013

Coisas acontecendo (2)

O GOLPE QUE CHAMAM DE DIÁLOGO.
( porque não estávamos no Senado). - Fernando Brant.

Trocando mensagens por e-mail, Caetano Veloso me convidou para me reunir
com a turma que, segundo ele, estava estudando muito direito autoral e tinha
ideias diferentes das minhas. Sempre fui do diálogo e aceitei seu convite, apesar
de não acreditar que ideias boas pudessem partir de pessoas influenciadas 
pela senhora  Vanisa Santiago.

Não frequento redes sociais, mas, por terceiros, tinha conhecimento de alguns da
turma, nada que se pudesse levar muito a sério.Afinal, baseavam-se nas loucuras
do Randolfe, o deslumbrado.

No dia 17 de junho peguei um avião em Belo Horizonte e fui com a Marisa Gandelmann
ao tal encontro. Lá chegando, cheia a sala, ao cumprimentar o Caetano ele me convidou,
com ar alegre, a me sentar a seu lado. A dona do pedaço, não a da casa, a empresária
dele, me deslocou para o fundo, em um banco. No momento não vi maldade alguma
em seu gesto mas, no desenrolar dos acontecimentos, percebi o significado do
cenário que a dona dele preparara para mim, o Danilo Caymmi, Walter Franco e
Bigonha. Não sei se a impressão que eu formei é a mesma deles. Mas falo por mim.   
Quiseram que eu falasse. Disse-lhe que se o que queriam era fiscalização ao ECAD
eu a aceitaria incondicionalmente, desde que não ferisse a Constituição. Afinal são
duas as cláusulas pétreas sobre o assunto. A primeira proíbe a interferência do
Estado no funcionamento das associações. A segunda, ao estabelecer que ao autor 
pertence o direito exclusivo de utilizar sua obra, declara que o preço dessa utilização
só cabe a ele. Aí também não cabe interferência estatal. E acrescentei que a verdadeira
e mais eficiente fiscalização deveria ser feita pelos autores e artistas, os donos do ECAD.
Mas logo que vi que eles não querem se mover para consertar o que julgam errado,
é só reclamar e chamar a tutela do Estado.

A partir dessas minhas palavras o chumbo veio grosso. Senti-me, e a posição
em que me colocaram na sala acentuou essa impressão, como alvo de tiros
do quadro “ O Fuzilamento” de Goya. A empresária me fulminava sem dizer
meu nome, só gritava “ esse aí” só fala em Constituição. Comecei a perceber
que talvez a metade dos presentes, tendo seus objetivos, consideram ser a 
Constituição, não a bíblia do cidadão e da cidadania, mas um obstáculo
menor a ser destruído, desvalorizado, varrido da vida do País.

O Antônio Carlos Bigonha, jurista e músico, os interpelou sobre a insensatez
que é abrir mão de um direito pessoal , conquistado, privado, e entregá-lo 
ao Estado. Pedras sobre ele, “ você é músico?”. Ele é e ela não, como se sabe.
Tentei explicar que o peso do voto dos autores nas eleições da UBC é de
95%. Não fui ouvido ou não prestavam atenção ao que eu dizia. Disse que todas
as informações de cada autor, tudo o que ele quiser saber, está à disposição
dos nossos associados, “on line”, através de senha pessoal. Alguém escutou
e assimilou? Nobody.

Danilo Caymmi  questionou o fato de se entregarem às mãos estatais no momento em
que, em todo o país, os brasileiros se levantam  contra a incompetência dos
governos quando aos temas essenciais como educação, saúde, segurança e
transporte. Nem o que é sua obrigação primária o Estado faz.
Depois de ouvir muita sandice e perceber que o que seria um diálogo era, na
realidade, a imposição autoritária das ideias antidemocráticas da maioria,
resolvi  ficar quieto.

Eu me decepcionei com as intervenções agressivas de alguns companheiros
de profissão. Outros foram civilizados, Marisa Monte e Fernanda Abreu foram
exemplos.

Resolvi não mais me pronunciar, ouvi calado as explanações maliciosas e 
mentirosas de alguns. Queria que aquele pesadelo terminasse e lamentei não
acreditar em certas coisas: uma banho de sal grosso me faria muito bem no
enfrentamento da fuzilaria que se dizia diálogo.

No final, quando confirmaram que não conheciam o novo texto que substituiria
o do Lindemberg/Randolfe/Creative Common ( um anteprojeto horroroso e
inconstitucional)ficou combinado um novo encontro para quando eles o tivessem
em mãos. Eu não sabia que o golpe já estava em curso.

Alegaram desconhecer as mudanças no PLS na virada de 17 para o dia 18. No dia
seguinte, a empresária do Caetano, o do Roberto Carlos e gente ligada ao sistema
Globo já estavam no Senado, em Brasília, conspirando. Conseguiram piorar o que
julgávamos impossível de ser piorado. Contra a assinatura e  manifesto de mais
de 1200 autores, músicos e artistas, que se expressaram publicamente contra
as decisões do CADE, transplantaram-nas para o anteprojeto. E acrescentaram
um artigo para livrar a Globo de possível derrota no STJ ( Superior Tribunal de 
Justiça) quanto ao pagamento dos direitos autorais musicais.

O golpe continuou, com a estratégia de, através de urgência urgentíssima,
aprovar o monstro, em um só dia, na comissão e no plenário do Senado. 
Não sei se o que fizeram com o Senador Aloysio Nunes, que apenas sugeria
um tempo para melhor debate da questão, foi fascismo ou stalinismo, os 
dois são semelhantes. Foram, os nossos colegas, ditatoriais, opressores.
Que o poder não caia em suas mãos, Deus nos livre.

Os artistas presentes ao Senado, que não vivem de direitos autorais mas de
shows, desprezaram os quase duzentos mil brasileiros que vivem de direitos
autorais de execução pública.

Irresponsavelmente, trabalharam para os que usam música e não querem pagar
o que devem. Os googles e telefônicas que se negam a reconhecer nossos direitos
inscritos na Constituição e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Laboraram para destruir o braço que arrecada e distribui direitos musicais para todos.
Se ampararam no “ constitucionalista”(?)senador Humberto Costa, que desafinou
ao declarou constitucional o que salta aos olhos que não o é. Apoiaram-se num
medíocre antropólogo do MINC que, descobri, quer destruir os autores para assim ter
material de trabalho: nos estudar.

Desprezaram a voz dos colegas, várias centenas, tão artistas e tão autores como eles,
tão importantes como eles ( a lista é pública, está no no documento “ Vivo de Música”),
que abominam as ideias do CADE e seus burocratas amantes de Stalin e que
nada conhecem da estrutura dos direitos de execução pública no Brasil e no
mundo. Aliás, quem redigiu o monstro que passou pelo Senado quis legislar
sobre o que não conhece.

Por último, os artistas que estavam no Senado participando do golpe, representantes
deles mesmos e dos interesses dos seus empresários  afrontaram os brasileiros
que estão nas ruas, em movimento constante,  ao abraçarem  e enlaçarem
personagens que a praça pública está condenando.

Ficaram devendo a discussão prévia prometida e que não houve. Mas essa foi
apenas uma batalha. O jogo não terminou.

Fernando Brant.


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