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terça-feira, 1 de maio de 2012

É O QUE TEM PRA HOJE !

A última semana foi pródiga em assuntos polêmicos. Enquanto o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, inseria o Brasil no século XXI, ao considerar que as políticas de ações afirmativas voltadas para a inclusão do negro no ensino superior brasileiro, são constitucionais e legais, o Congresso Nacional, por meio da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, dava início as investigações sobre a cachoeira de escândalos que tem como protagonista o “paladino” da moralidade pública, o Senador Demóstenes Torres. São dois fatos que evidenciam com clareza os dois brasis que estamos vivendo.

De um lado, uma conquista árdua e suada, que há anos a comunidade negra brasileira precisava e vinha buscando. Conquista que parecia, nos primeiros momentos, longínqua e distante, mas que foi assegurada numa mobilização sem precedentes, quase que diária, na qual a articulação firme e paciente de suas lideranças políticas, contou com o apoio decisivo de um sem número de aliados de variadas matizes tanto políticas quanto ideológicas, tornou possível enfrentar e derrotar o maior lobby de comunicação já montado no Brasil contra uma política pública. Foram praticamente dez anos de caminhada, de provocações de todos os lados, de incompreensões até mesmo de quem potencialmente seriam beneficiados, mas que valeu a pena, pois ao final, não apenas fomos vitoriosos no campo específico das cotas raciais, mas inauguramos um novo patamar de luta para a conquista da cidadania plena em nosso país. Uma vitória estonteante, dado o histórico do judiciário brasileiro no assunto em questão.

Não podemos deixar de ressaltar que esta foi uma vitória, não apenas da comunidade negra, mas de toda a sociedade brasileira, que após a abolição da escravatura, jamais havia tratado com a seriedade e profundidade necessária a questão da desigualdade racial e do racismo no Brasil. Uma vitória que colocou no mesmo barco, lideranças conservadoras e reacionárias junto aos chamados combativos e revolucionários companheiros, que na hora de abrirem mão de seus privilégios preferiram agarrar-se a retórica discursiva do que contribuírem para o avanço social. Uma vitória que revelou ser possível uma aliança sólida e durável, independente da cor da pele, entre aqueles que lutam e desejam um país substantivamente democrático e igualitário. Uma vitória, enfim, que reacende a esperança de um Brasil em que todos os seus cidadãos, independentemente da cor da sua pele, da sua opção religiosa ou origem econômica, possam ter oportunidades iguais e serem tratados com respeito e dignidade.

Já, do outro lado do rio, a cachoeira da corrupção, da enganação e da privatização da coisa pública, ganha uma dimensão inimaginável. O Congresso Nacional, mais uma vez colocado no canto do ringue, tenta reagir. Aquele que imaginava-se simbolizar o recato, a seriedade e o desassombro da defesa da coisa pública, está se revelando não um Senador impoluto e corajoso, mas um reles bandido. E junto com ele, uma verdadeira enxurrada de falcatruas que parece não ter fim. Praticamente todos os partidos políticos estão envolvidos, em maior ou menor grau. O que nos faz pensar, que muito mais que um escândalo, estamos tratando do apodrecimento, ao vivo e a cores de um sistema político que não serve para mais ninguém, muito menos ao nosso povo.

Independente da rigorosa punição que todos os envolvidos neste escândalo, devam ter, não dá para continuar tratando deste tema no varejo, como se fosse um desvio de caráter de A, B ou C. O sistema político eleitoral brasileiro apodreceu e o seu odor está insuportável. As campanhas eleitorais estão estupidamente caras, para eleger-se um deputado federal num pequeno estado brasileiro, não se gasta menos do que 3 milhões de reais, nos grandes estados entre 5 e 6 milhões. Computando-se o salário de todo seu mandato este mesmo deputado não aferirá mais do que 2 milhões de reais. É claro que esta conta não fecha, como pagá-la então? Aí está o nó da questão e a nascente de todas estas cachoeiras de escândalos. Quem tem pago a conta em verdade, somos nós cidadãos brasileiros e com juros e a correção monetária da corrupção. Ou fazemos uma reforma política pra valer e estabelecemos novas regras para financiamento de campanha e a escolha dos nossos representantes políticos ou todos nós teremos que continuar pagando a conta deste descalabro.

Estes dois brasis são inconciliáveis e não podem continuar convivendo tão harmoniosamente.

Axé !

Toca a zabumba que a terra é nossa !

Zulu Araújo

É baiano, arquiteto, produtor cultural e ativista do movimento negro latino americano. Ex-Presidente da Fundação Cultural Palmares. É Diretor da Casa da Cultura da América Latina/UnB

http://terramagazine.terra.com.br/blogdozulu/blog/2012/04/30/e-o-que-tem-pra-hoje-5/.

OBS: concordo plenamente com o texto do zulu.

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