Coisas de Destaque

“Se você não for cuidadoso os jornais farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas e amar as que estão oprimindo” (Malcolm X – 1925-1965)

“Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corruta formará um público tão vil como ela mesma” (Joseph Pulitzer – 1847-1911)

terça-feira, 27 de julho de 2010

Dez falsos motivos para não votar na Dilma

por: Jorge Furtado
em 25 de julho de 2010

Tenho alguns amigos que não pretendem votar na Dilma, um ou outro até diz que vai votar no Serra. Espero que sigam sendo meus amigos. Política, como ensina André Comte-Sponville, supõe conflitos: “A política nos reúne nos opondo: ela nos opõe sobre a melhor maneira de nos reunir”.
Leio diariamente o noticiário político e ainda não encontrei bons argumentos para votar no Serra, uma candidatura que cada vez mais assume seu caráter conservador. Serra representa o grupo político que governou o Brasil antes do Lula, com desempenho, sob qualquer critério, muito inferior ao do governo petista, a comparação chega a ser enfadonha, vai lá para o pé da página, quem quiser que leia. (1)
Ouvi alguns argumentos razoáveis para votar em Marina, como incluir a sustentabilidade na agenda do desenvolvimento. Marina foi ministra do Lula por sete anos e parece ser uma boa pessoa, uma batalhadora das causas ambientalistas. Tem, no entanto (na minha opinião) o inconveniente de fazer parte de uma igreja bastante rígida, o que me faz temer sobre a capacidade que teria um eventual governo comandado por ela de avançar em questões fundamentais como os direitos dos homossexuais, a descriminalização do aborto ou as pesquisas envolvendo as células tronco.
Ouço e leio alguns argumentos para não votar em Dilma, argumentos que me parecem inconsistentes, distorcidos, precários ou simplesmente falsos. Passo a analisar os dez mais freqüentes.
1. “Alternância no poder é bom”.
Falso. O sentido da democracia não é a alternância no poder e sim a escolha, pela maioria, da melhor proposta de governo, levando-se em conta o conhecimento que o eleitor tem dos candidatos e seus grupo políticos, o que dizem pretender fazer e, principalmente, o que fizeram quando exerceram o poder. Ninguém pode defender seriamente a idéia de que seria boa a alternância entre a recessão e o desenvolvimento, entre o desemprego e a geração de empregos, entre o arrocho salarial e o aumento do poder aquisitivo da população, entre a distribuição e a concentração da riqueza. Se a alternância no poder fosse um valor em si não precisaria haver eleição e muito menos deveria haver a possibilidade de reeleição.
2. “Não há mais diferença entre direita e esquerda”.
Falso. Esquerda e direita são posições relativas, não absolutas. A esquerda é, desde a sua origem, a posição política que tem por objetivo a diminuição das desigualdades sociais, a distribuição da riqueza, a inserção social dos desfavorecidos. As conquistas necessárias para se atingir estes objetivos mudam com o tempo. Hoje, ser de esquerda significa defender o fortalecimento do estado como garantidor do bem-estar social, regulador do mercado, promotor do desenvolvimento e da distribuição de riqueza, tudo isso numa sociedade democrática com plena liberdade de expressão e ampla defesa das minorias. O complexo (e confuso) sistema político brasileiro exige que os vários partidos se reúnam em coligações que lhes garantam maioria parlamentar, sem a qual o país se torna ingovernável. A candidatura de Dilma tem o apoio de políticos que jamais poderiam ser chamados de “esquerdistas”, como Sarney, Collor ou Renan Calheiros, lideranças regionais que se abrigam principalmente no PMDB, partido de espectro ideológico muito amplo. José Serra tem o apoio majoritário da direita e da extrema-direita reunida no DEM (2), da “direita” do PMDB, além do PTB, PPS e outros pequenos partidos de direita: Roberto Jefferson, Jorge Borhausen, ACM Netto, Orestes Quércia, Heráclito Fortes, Roberto Freire, Demóstenes Torres, Álvaro Dias, Arthur Virgílio, Agripino Maia, Joaquim Roriz, Marconi Pirilo, Ronaldo Caiado, Katia Abreu, André Pucinelli, são todos de direita e todos serristas, isso para não falar no folclórico Índio da Costa, vice de Serra. Comparado com Agripino Maia ou Jorge Borhausen, José Sarney é Che Guevara.
3. “Dilma não é simpática”.
Argumento precário e totalmente subjetivo. Precário porque a simpatia não é, ou não deveria ser, um atributo fundamental para o bom governante. Subjetivo, porque o quesito “simpatia” depende totalmente do gosto do freguês. Na minha opinião, por exemplo, é difícil encontrar alguém na vida pública que seja mais antipático que José Serra, embora ele talvez tenha sido um bom governante de seu estado. Sua arrogância com quem lhe faz críticas, seu destempero e prepotência com jornalistas, especialmente com as mulheres, chega a ser revoltante.
4. “Dilma não tem experiência”.
Argumento inconsistente. Dilma foi secretária de estado, foi ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, fez parte do conselho da Petrobras, gerenciou com eficiência os gigantescos investimentos do PAC, dos programas de habitação popular e eletrificação rural. Dilma tem muito mais experiência administrativa, por exemplo, do que tinha o Lula, que só tinha sido parlamentar, nunca tinha administrado um orçamento, e está fazendo um bom governo.
5. “Dilma foi terrorista”.
Argumento em parte falso, em parte distorcido. Falso, porque não há qualquer prova de que Dilma tenha tomado parte de ações “terroristas”. Distorcido, porque é fato que Dilma fez parte de grupos de resistência à ditadura militar, do que deve se orgulhar, e que este grupo praticou ações armadas, o que pode (ou não) ser condenável. José Serra também fez parte de um grupo de resistência à ditadura, a AP (Ação Popular), que também praticou ações armadas, das quais Serra não tomou parte. Muitos jovens que participaram de grupos de resistência à ditadura hoje participam da vida democrática como candidatos. Alguns, como Fernando Gabeira, participaram ativamente de seqüestros, assaltos a banco e ações armadas. A luta daqueles jovens, mesmo que por meios discutíveis, ajudou a restabelecer a democracia no país e deveria ser motivo de orgulho, não de vergonha.
6. “As coisas boas do governo petista começaram no governo tucano”.
Falso. Todo governo herda políticas e programas do governo anterior, políticas que pode manter, transformar, ampliar, reduzir ou encerrar. O governo FHC herdou do governo Itamar o real, o programa dos genéricos, o FAT, o programa de combate a AIDS. Teve o mérito de manter e aperfeiçoá-los, desenvolvê-los, ampliá-los. O governo Lula herdou do governo FHC, por exemplo, vários programas de assistência social. Teve o mérito de unificá-los e ampliá-los, criando o Bolsa Família. De qualquer maneira, os resultados do governo Lula são tão superiores aos do governo FHC que o debate “quem começou o quê” torna-se irrelevante.
7. “Serra vai moralizar a política”.
Argumento inconsistente. Nos oito anos de governo tucano-pefelista – no qual José Serra ocupou papel de destaque, sendo escolhido para suceder FHC – foram inúmeros os casos de corrupção, um deles no próprio Ministério da Saúde, comandado por Serra, o superfaturamento de ambulâncias investigado pela “Operação Sanguessuga”. Se considerarmos o volume de dinheiro público desviado para destinos nebulosos e paraísos fiscais nas privatizações e o auxílio luxuoso aos banqueiros falidos, o governo tucano talvez tenha sido o mais corrupto da história do país. Ao contrário do que aconteceu no governo Lula, a corrupção no governo FHC não foi investigada por nenhuma CPI, todas sepultadas pela maioria parlamentar da coligação PSDB-PFL. O procurador da república ficou conhecido com “engavetador da república”, tal a quantidade de investigações criminais que morreram em suas mãos. O esquema de financiamento eleitoral batizado de “mensalão” foi criado pelo presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo, hoje réu em processo criminal. O governador José Roberto Arruda, do DEM, era o principal candidato ao posto de vice-presidente na chapa de Serra, até ser preso por corrupção no “mensalão do DEM”. Roberto Jefferson, réu confesso do mensalão petista, hoje apóia José Serra. Todos estes fatos, incontestáveis, não indicam que um eventual governo Serra poderia ser mais eficiente no combate à corrupção do que seria um governo Dilma, ao contrário.
8. “O PT apóia as FARC”.
Argumento falso. É fato que, no passado, as FARC ensaiaram uma tentativa de institucionalização e buscaram aproximação com o PT, então na oposição, e também com o governo brasileiro, através de contatos com o líder do governo tucano, Arthur Virgílio. Estes contatos foram rompidos com a radicalização da guerrilha na Colômbia e nunca foram retomados, a não ser nos delírios da imprensa de extrema-direita. A relação entre o governo brasileiro e os governos estabelecidos de vários países deve estar acima de divergências ideológicas, num princípio básico da diplomacia, o da auto-determinação dos povos. Não há notícias, por exemplo, de capitalistas brasileiros que defendam o rompimento das relações com a China, um dos nossos maiores parceiros comerciais, por se tratar de uma ditadura. Ou alguém acha que a China é um país democrático?
9. “O PT censura a imprensa”.
Argumento falso. Em seus oito anos de governo o presidente Lula enfrentou a oposição feroz e constante dos principais veículos da antiga imprensa. Esta oposição foi explicitada pela presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) que declarou que seus filiados assumiram “a posição oposicionista (sic) deste país”. Não há registro de um único caso de censura à imprensa por parte do governo Lula. O que há, frequentemente, é a queixa dos órgãos de imprensa sobre tentativas da sociedade e do governo, a exemplo do que acontece em todos os países democráticos do mundo, de regulamentar a atividade da mídia.
10. “Os jornais, a televisão e as revistas falam muito mal da Dilma e muito bem do Serra”.

Isso é verdade. E mais um bom motivo para votar nela e não nele.
x (1) Alguns dados comparativos dos governos FHC e Lula.
Geração de empregos:

FHC/Serra = 780 mil x Lula/Dilma = 12 milhões
Salário mínimo:
FHC/Serra = 64 dólares x Lula/Dilma = 290 dólares
Mobilidade social (brasileiros que deixaram a linha da pobreza):
FHC/Serra = 2 milhões x Lula/Dilma = 27 milhões
Risco Brasil:
FHC/Serra = 2.700 pontos x Lula/Dilma = 200 pontos
Dólar:
FHC/Serra = R$ 3,00 x Lula/Dilma = R$ 1,78
Reservas cambiais:
FHC/Serra = 185 bilhões de dólares negativos x Lula/Dilma = 239 bilhões de dólares positivos.
Relação crédito/PIB:
FHC/Serra = 14% x Lula/Dilma = 34%
Produção de automóveis:
FHC/Serra = queda de 20% x Lula/Dilma = aumento de 30%
Taxa de juros:
FHC/Serra = 27% x Lula/Dilma = 10,75%

(2) Elio Gaspari, na Folha de S.Paulo de 25.07.10:
José Serra começou sua campanha dizendo: “Não aceito o raciocínio do nós contra eles”, e em apenas dois meses viu-se lançado pelo seu colega de chapa numa discussão em torno das ligações do PT com as Farc e o narcotráfico. Caso típico de rabo que abanou o cachorro. O destempero de Indio da Costa tem método. Se Tupã ajudar Serra a vencer a eleição, o DEM volta ao poder. Se prejudicar, ajudando Dilma Rousseff, o PSDB sairá da campanha com a identidade estilhaçada. Já o DEM, que entrou na disputa com o cocar do seu mensalão, sairá brandindo o tacape do conservadorismo feroz que renasceu em diversos países, sobretudo nos Estados Unidos.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Código florestal é flexibilizado na comissão especial

Por Raquel Júnia /EPSJV-Fiocruz, 08.07.2010


Depois de dois dias de seções conturbadas, uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 6 de julho, alterações no Código Florestal brasileiro. Pela nova redação, não haverá mais a obrigatoriedade de se preservar 30 metros de vegetação na beira dos rios (matas ciliares), mas apenas 15 metros, em se tratando de cursos d’agua que tenham de cinco a dez metros. Além disso, propriedades com até quatro módulos fiscais – o que na Amazônia, por exemplo, equivale a 400 campos de futebol – que já tenham desmatado áreas de Reserva Legal, não serão mais consideradas ilegais e nem precisarão replantá-las. Pelo novo Código, os topos dos morros também deixam de ser consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP) e podem ser desmatados. São justamente estas áreas que recarregam os lençóis freáticos. O Código Florestal, que é a lei federal 4771, existe desde 1965 e é responsável por regular a relação entre os brasileiros e os biomas do país. O código define a observância das APPs, de Reserva Legal e vários outros dispositivos que visam coibir a exploração desenfreada da natureza.

Em junho, o deputado federal Aldo Rebelo (PcdoB/SP), relator da comissão especial criada para analisar os projetos de lei que alteram o Código Florestal, apresentou um relatório que flexibiliza as normas já existentes, como reivindicava a chamada bancada ruralista no Congresso. Em resposta, movimentos sociais ligados ao campo, pesquisadores e intelectuais começaram uma campanha contra a aprovação do relatório apresentado por Rebelo. Nos últimos dias 5 e 6 de julho, o deputado apresentou um substitutivo que sofreu várias alterações ao longo das duas seções de discussão e aprovação da matéria. Com presença de pessoas contrárias e favoráveis assistindo às reuniões, vaias e aplausos eram ouvidos constantemente. Algumas das modificações foram feitas por Aldo Rebelo horas antes da votação, na madrugada do último dia 6, razão pela qual deputados contrários à aprovação do texto se posicionaram insistentemente pelo adiamento da decisão, mas não tiveram êxito e a proposta foi aprovada por 13 a 5 votos. Os vários destaques apresentados pelos deputados também foram reprovados.

Para movimentos sociais, novo código possibilita mais desmatamento



O projeto de lei aprovado na Comissão Especial ainda precisa ser aprovado no plenário da Câmara e do Senado para começar a vigorar. O engenheiro florestal especialista em agroecologia Luiz Zarref, da Via Campesina, considera que o projeto praticamente ‘derruba’ o Código Florestal. Ele explica que, ao contrário do que sugere o relatório do deputado Aldo Rebelo, os movimentos sociais reunidos na Via Campesina nunca tiveram como demanda o fim da Reserva Legal em propriedades de até quatro módulos fiscais. Pelo novo código, os proprietários destas unidades devem preservar as matas restantes, mas estão desobrigados a recompor o que já tiver sido destruído da Reserva. Luiz acredita que este é um dos principais problemas do novo texto. “O conceito de Reserva diz que se trata de uma área de uso sustentável, de manejo, onde se pode plantar frutas, até mesmo café, em convivência com espécies nativas. Esta Reserva é importante para se diversificar a produção”, explica.

O engenheiro lembra que é justamente nestes espaços onde sobrevivem espécies nativas como o pequi, por exemplo, no caso do Cerrado, fruta largamente utilizada na culinária local. Ele explica ainda que todo pequeno produtor sempre teve no lote de terra um pedaço de mata para colher ervas medicinais, lenha e estacas para fazer cercas. “Acabar com a Reserva Legal não é nenhum benefício. Daqui a 20 anos as terras destes pequenos agricultores estarão muito piores porque a faz reciclagem de nutrientes, mantém a adubação do solo e uma série de animais que são predadores naturais de pragas. E os pequenos agricultores não são como os grandes que podem vender a terra e ir para outro lugar: aquela terra será para ele, para os filhos e netos dele. Então, a longo prazo, é um grande golpe para a agricultura familiar”, acrescenta.

O projeto aprovado anistia os proprietários de terras que desmataram ilegalmente até o ano de 2008. Luiz alerta que, na verdade, o que foi aprovado desobriga os desmatadores de pagamento de multa até o presente momento porque não existe estrutura suficiente nos órgãos de fiscalização para saber quem desmatou antes ou depois de 2008. “Nós não temos acesso a imagem de satélite de todo o território nacional com tanta atualidade e o único meio de saber isso é por meio destas imagens, que são caríssimas. Só as temos em algumas regiões de fronteira da Amazônia, mas que ainda assim são imagens boas para detectar queimadas”, diz.

Outro aspecto polêmico aprovado no novo texto se refere à possibilidade de compensação da área desmatada. O fazendeiro que desmatou poderá, pelo novo código, comprar um trecho de mata equivalente àquele em outro local, mesmo em outro estado, desde que seja dentro do mesmo bioma. Ou seja, se o desmatamento foi na região da Floresta Amazônica, a área compensada também deve ser na floresta. Pelo código em vigência hoje, esta compensação só pode ser feita dentro da mesma microbacia hidrográfica. Luiz Zaref critica também esta mudança. “Esta área preservada cumpre o papel de abastecer de água os riachos da região. Se for jogada em outra bacia, mesmo que seja dentro do mesmo bioma, o impacto naquela bacia que está sendo devastada já terá sido feito”, explica.

Em jogo, dois modelos de produção agrícola

No decorrer das discussões da comissão, o deputado Aldo Rebelo fez alterações no texto para deixar claro que a desobrigação de preservar a Reserva Legal em propriedades com até quatro módulos fiscais valia apenas para aqueles agricultores que já tinham desmatado até 30 de julho de 2008 e não para futuros desmatamentos. Entretanto, a mudança, na opinião de Luiz Zarref, significa muito pouco, já que não há fiscalização suficiente, e o novo código contribui para aumento das áreas desmatadas. “Nós não temos dúvida de que terá uma corrida desenfreada pelo desmatamento nos próximos meses, dada a total ineficiência dos órgãos de fiscalização brasileiros”, opina.

Para ele, o Cerrado e a Caatinga serão os biomas mais atingidos pelo desmatamento, já que nestas regiões a fiscalização é ainda mais ineficiente do que no bioma amazônico. “Como você diz que foi desmatado até 30 de julho de 2008? Não há como dizer. Os órgãos estaduais de meio ambiente estão sucateados: têm técnicos que fazem a legislação, mas não têm técnicos que vão a campo. Então, quando o técnico for lá daqui a dois anos, como ele diferencia o que foi feito em 2010 do que foi feito em 2008?”, questiona.

De acordo com o engenheiro da Via Campesina, o texto aprovado choca-se também com o conceito até hoje vigente de função social da propriedade. “Uma propriedade, para não ser desapropriada, tem que ter uma função socioambiental, precisa ser financeiramente rentável e ter preservação ambiental. É um tripé. O novo código ataca uma parte deste tripé, a da preservação ambiental. Com o código, uma fazenda não pode mais ser desapropriada por não cumprir a função social no quesito da preservação ambiental”, destaca.

Luiz questiona a imagem que se tentou construir de que os movimentos sociais são contra a produtividade. Para ele, na verdade, o que está em jogo são modelos diferentes de produção – o do agronegócio e o da agricultura camponesa e familiar. “Quem mais produz alimentos hoje é a agricultura camponesa e familiar, basta olhar os dados do IBGE”, diz.

Código da Biodiversidade




Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense Carlos Walter Porto-Gonçalves, a defesa do Código Florestal pelos movimentos sociais demonstra o quanto os setores progressistas estão na defensiva, sem conseguir de fato, pautar novas discussões. Ele atua junto aos movimentos sociais e também assinou o manifesto contra as modificações no Código Florestal, mas alerta que é preciso fazer uma outra discussão – a da necessidade de se pensar em um código de biodiversidade e não só de florestas. “Falar em Código Florestal hoje é um retrocesso. Por que não um código de biodiversidade? As oligarquias latifundiárias ligadas ao Cerrado estão muito preocupadas em tirar o Mato Grosso e o Tocantins da Amazônia. Com esses estados não sendo mais compreendidos como áreas de floresta, eles ficariam livres para explorar o Cerrado. É preciso ver o que está por trás desta discussão”, alerta.

Carlos Walter lembra a importância de biomas como o Cerrado, que tem grandes mananciais, onde se formam os rios mais importantes do país, e uma biodiversidade riquíssima, com centenas de espécies. Por isso, a urgência de se criar um código da biodiversidade. “O Código Florestal acaba sendo uma maneira indireta de dizer lá fora que você está cuidando das florestas do Brasil. A questão das florestas é um dos pontos importantes do debate ambiental global, mas é apenas um dos lados do problema. O outro lado é a erosão genética, da biodiversidade, que se dá a partir do monocultivo. Sobre esse lado, as oligarquias não querem falar, por isso querem apenas falar de um código de florestas e não de biodiversidade. Assim, aceitam uma agenda externa para o debate na exata medida em que é conveniente aos seus propósitos de continuarem exportando commoditties agrícolas e minerais”, explica. E completa: “Guimarães Rosa, inspirado nos camponeses do cerrado, soube compreender como poucos que ‘o cerrado é uma caixa d´água’, pois o ‘grande sertão’, as chapadas, são recargas hídricas fundamentais para alimentar os lençóis d´água e daí as veredas. Por isso batizou seu grande livro: Grandes Sertões, Veredas. Preservar os cerrados e a cultura dos povos do cerrado, como soube fazer Guimarães Rosa, é fundamental para garantir água e de boa qualidade. Talvez tenha sido essa compreensão profunda da realidade dos povos do cerrado que tenha feito o escritor de Minas Gerais, universal”, destaca. E conclui:. “Eu parodio uma frase do Chico Mendes que dizia que não há defesa da floresta sem os povos da floresta. Também não tem defesa do Cerrado sem os povos do Cerrado, porque os povos têm o conhecimento destas veredas e encostas, que vão produzir o Baru, o Pequi, a Fava-danta, um conjunto de óleos, frutos e resinas com usos medicinais”, salienta.

O Código Florestal e a saúde

O médico veterinário e professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), André Burigo, ressalta que, apesar de a saúde e o meio ambiente serem áreas bastante relacionadas, nenhum profissional da saúde foi ouvido no processo de elaboração do relatório do deputado Aldo Rebelo. “O relatório traz registro das 33 audiências realizadas para discutir o tema e o nome dos convidados em cada uma delas. O Ministério da Saúde não foi convidado, a Anvisa também não, instituições como a Fiocruz, que tem laboratórios de excelência na discussão da saúde no campo, também não. De fato, diante de tudo que o relatório apresenta, a saúde poderia ser considerada um obstáculo para que avançasse esta proposta de um novo Código Florestal”, critica.

André Burigo explica que cabe à área de saúde ambiental explicar esta relação entre saúde e meio ambiente, fundamentalmente estudando os impactos decorrentes do encontro do homem com a natureza na saúde das pessoas. Ele lembra que no ano passado, foi realizada a I Conferência Nacional de Saúde Ambiental em cuja plenária final a diretriz mais votada diz: “mudança no modelo de desenvolvimento econômico de forma a produzir a qualidade de vida e a preservação do ambiente e a saúde desta e das futuras gerações, com a proteção da agrobiodiversidade e da biodiversidade urbana e rural, visando à sustentabilidade socioambiental responsável”. Para André, a diretriz aprovada ilustra como a área da saúde tem a contribuir para este debate, no sentido oposto das modificações que estão sendo propostas para o Código Florestal.



O pesquisador ressalta que o modelo de produção vigente atualmente, do agronegócio, com grande concentração fundiária, trabalhadores mantidos muitas vezes em condição análoga à de escravidão e forte uso de agrotóxicos, tem impactos diretos na saúde. “Por exemplo, a segurança alimentar é uma questão de saúde pública enorme por causa deste modelo de desenvolvimento. Nós, da saúde, recomendamos muito a ingestão de verduras e hortaliças, mas estamos entrando num paradigma no qual podemos questionar se estes itens são alimentos ou não, por causa do uso intensivo de agrotóxicos. O conceito de alimentos tratado no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional é de alimentos sadios, que não contêm veneno”, questiona.

Ele comenta ainda que a população camponesa está sujeita também a outros problemas, que têm impacto direto na saúde e estão relacionados ao modo de produção do agronegócio, como a pulverização aérea das plantações. André lembra que este tipo de atividade foi questionada durante a Conferência Nacional de Saúde Ambiental, que votou por se extinguir a pulverização aérea no Brasil, entendendo que não há condições de segurança para isso. “Não há como garantir que esta pulverização aérea ficará apenas sobre aquela propriedade que aquele grande empresário está aplicando”, explica.

O pesquisador dá um exemplo de como este modelo, que muitas vezes estabelece relações com os pequenos agricultores, traz consequências perigosas. No Rio Grande do Sul e Santa Catarina, pequenos agricultores plantam fumo ou criam aves e suínos para grandes empresas. “Este tipo de relação coloca o proprietário daquele chão como empregado das grandes empresas, que oferecem a muda, o veneno e o produtor entra com o financiamento do galpão, com a mão de obra da sua família, expondo sua família ao veneno. A mistura de exposição ao agrotóxico e de endividamento desta família na relação desfavorável que elas tem com o setor do agronegócio tem levado, inclusive, a um número elevado de suicídios destes pequenos agricultores”, exemplifica.

André ressalta que há muitas populações expostas à chamada injustiça ambiental, expressão utilizada para conceituar práticas que provoquem danos à saúde pela transgressão do limite de atuação saudável no meio ambiente. Ele diz que as parcelas mais expostas da população são aquelas mais pobres das cidades, que vivem nas periferias das fábricas ou também em condições precárias, sem acesso à saneamento, educação e alimentação dignas. E no campo, as mais expostas aos agrotóxicos. “O Brasil tem ainda utilização liberada de agrotóxicos que já foram proibidos nos países chamados desenvolvidos”, observa.

Para o pesquisador, o Código Florestal só pode ser discutido se for entendido no contexto de toda a discussão da questão agrária. “Este debate interessa a toda a sociedade e não poderia ter sido aprovado dessa maneira, com um relatório que foi modificado na madrugada, nas vésperas da votação. Acredito também que não tenha sido ao acaso que foi discutido em um momento de Copa do Mundo, no qual a população está concentrada numa competição internacional esportiva. Acho que estes governantes estão dando um grande exemplo da fragilidade da democracia representativa no Brasil”, diz.

Discurso de modernidade não é novo

Carlos Walter considera que também não é possível discutir a questão ambiental sem pensar no modelo social vigente. “Já na filosofia grega tinha o Rei Midas, que morreu de fome, porque tudo que ele tocava virava ouro, mas a riqueza não é o ouro, é a água, é a comida. O dinheiro (o ouro) é a expressão da riqueza e não a riqueza enquanto tal. E é esse dilema de Midas que a nossa sociedade está vivendo. Porque parece que nossa sociedade inventou uma nova Lei de Lavoisier: na natureza nada se perde, tudo se transforma em … oportunidade de mercado”, diz o professor, alertando para o perigo de se transformar a natureza em lucro a qualquer preço.

O geógrafo ressalta também a existência de dois modelos técnico-políticos em disputa para a agricultura brasileira. “Um é o modelo do agronegócio, dos grandes latifúndios empresariais, de monocultivos de exportação, altamente energívoros, aquívoros, que provocam grandes danos, como perdas de solos, contaminação das águas, além de uma poluição invisível, que é uma poluição genética através do modelo da transgenia cujo efeito sobre nossos corpos e o meio ambiente ainda não conhecemos”, explica. Ele lembra que esse processo não é novo, já que as oligarquias latifundiárias, com seus monocultivos empresariais, sempre fizeram esforços para inserir o Brasil na divisão internacional do trabalho para exportar a commodity do momento, seja a cana de açúcar, o algodão ou o cacau, por exemplo. “A ideologia da modernidade tem 500 anos no Brasil. Temos hoje rigorosamente a mesma tecnologia de ponta que tínhamos no século XVI. Um trator com computador que hoje opera num grande latifúndio empresarial de produção de soja é o equivalente ao engenho moderno no século XVI. O Brasil não exportava matéria prima, como nos ensinaram os livros didáticos e ainda hoje nos ensinam os livros de história econômica. O Brasil exportava açúcar que era um produto manufaturado, e éramos os maiores exportadores de manufatura já no século XVI e o fazíamos usando o trabalho escravo. Modernidade com injustiça social nos caracteriza desde sempre”, afirma.

O outro modelo, de acordo com o professor, é a forma pela qual os movimentos sociais têm tentado se reapropriar politicamente da terra, com base na agricultura familiar. “Este modelo tem na agroecologia e nas experiências da cultura tradicional camponesa seus dois grandes pilares. A aproximação com o conhecimento técnico se apóia nessa capacidade de proporcionar o máximo de autonomia aos camponeses e de potencializar a produção de acordo com as especificidades que o ecossistema tem. É um modelo que tende para a policultura, para a diversidade de produção e muito mais voltado para o mercado local e regional”, distingue.




Carlos Walter chama a atenção para o fato de que nos últimos 40 anos, ao mesmo tempo em se intensificaram as discussões sobre a necessidade de preservação do meio ambiente, se ampliou a destruição numa escala jamais vista na história da humanidade. “Isso exige fatalmente de todos aqueles que estão preocupados com a questão ambiental que revejam sua atuação política, porque a consciência ecológica não tem significado um compromisso efetivo com a superação do problema. É como se a consciência fosse insuficiente porque não está se traduzindo em práticas que apontem para uma sociedade mais sustentável, embora o que mais se fale hoje em dia é exatamente sobre sustentabilidade”, aponta.

No caso do Brasil, o professor situa a construção de Brasília e a abertura da rodovia Belém-Brasília, como dois exemplos da intensificação da devastação da Amazônia e do Cerrado brasileiros nos últimos 40 anos. Ele diz que vigora atualmente uma crença cega no poder da ciência e da técnica, a que ele atribui o nome de ideologia tecnocêntrica, mas que não tem resultado em soluções para o problema da devastação do meio ambiente. “Afinal, não se trata de um problema técnico, mas sim técnico-político e o desafio é reinventarmos uma outra matriz de conhecimento que não seja fundada no mito da dominação da natureza, como o atual. Nos últimos 30, 40 anos nós tivemos um avanço tecnológico no mundo que permitiu o aumento geral da produtividade em 30 %, mas isso não significou uma diminuição da pressão sobre os recursos naturais, pois no mesmo período houve o aumento no consumo desses recursos em 50%. Hoje, há informações de que já temos um consumo anual de recursos naturais numa proporção que ultrapassa 30% da capacidade de reposição da biomassa do planeta. Estamos sacando numa conta que sem fundo”, alerta.

(*) Publicada originalmente pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Projeto de lei quer controlar e censurar blogs no Brasil: PL 7131/2010 do deputado federal Gerson Peres

Vou ao problema que eu considero mais grave: Esse projeto do nobre deputado Gerson Peres (PP/PA) argumenta que sai para evitar calúnias e ofensas à honra que possam surgir em comentários anônimos ou de autores não identificáveis. Joga-se a culpa e responsabilidade sobre o dono do Blog.

Além disso, prevê que todos os blogs brasileiros devam ser cadastrados no serviço Registro.br com identificação completa.



Muito do que li em outros blogs, focou-se no problema do registro e esqueceu-se da possível tentativa de coerção pelo medo. A meu ver, lendo o projeto de lei e sua justificativa (leia a íntegra aqui: download DOC), o deputado que criar mecanismos de controle da informação e usar isso como forma de coibir a liberdade de expressão e a promoção do debate nos fóruns, comunidades, redes-sociais e blogs.

Entendo que o anonimato seja algo vetado na liberdade de expressão e já existem leis sobre isso (não precisamos de outra). Mas não se pode exigir que o dono de um blog, fórum ou comunidades, certifique-se da identidade de todos os seus participantes.

Vamos pensar um pouco: você tem certeza de que todos os membros de sua comunidade no Orkut ou amigos do FaceBook são de perfis reais? Já verificou se todos que comentam em seu blog ou em seu fórum usam emails e nomes verdadeiros?

Pois é isso que o ilustre deputado quer.

E a última dúvida: é possível para nós controlarmos e fiscalizarmos todos os perfis de internet que interagem conosco para moderarmos de forma satisfatória tudo o que será publicado e aprovado em nossos blogs e evitar o "anonimato"?

Sobre o cadastro dos blogueiros, fica a prova de que o senhor deputado federal Gerson Peres não entende nada de criação de blogs e sites. Ao registrarmos um domínio, já nos é exigido o cadastro. E se usamos um subdomínio como no Blogger/Blogspot, a Google já está implantando até o cadastro de número de celular.

Vamos ficar de olho no que fazem nossos políticos, pois são coisas como essas e outras que acabam afetando nossas vidas e nossa liberdade duramente conquistada há pouco mais de 20 anos com a Constituinte de 1988.De Marcos Lemos - Ferramentas blog

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Os Anos Lula e as mentiras que pareciam verdades



Nos últimos oito anos vivemos mudanças profundas em nossa forma de entender o Brasil. Passamos a refletir sobre o que é realmente e para que serve o governo federal e o que significa o exercício da presidência da República. Vivemos novos aprendizados que merecem ser destacados.

Washington Araújo

Os anos Lula serão registrados nos livros de história do Brasil como aquele período em que o país investiu na criação de uma cultura de aprendizagem. O período republicano começado em 1º janeiro de 2003 e prestes a findar em 1º de janeiro de 2011 testemunhou mudanças profundas em nossa forma de entender o Brasil. Passamos a refletir sobre o que é realmente e para que serve o governo federal, o que significa o exercício da presidência da República e também o que quer dizer viver em uma época em que um país cindido teve sua maior confluência, unindo de maneira indivisível o Brasil-Índia com o Brasil-Bélgica. Vivemos novos aprendizados. E destes, compartilho alguns que podem ser aferidos a olho nu. Vejamos:

Aprendemos ao longo do tempo que exercer qualquer cargo na administração pública exigia, no mínimo, certo estofo intelectual, diploma de curso superior na parede, apenas para começo de conversa. Lula tem estofo intelectual, mas não aquele certificado pelo diploma na parede. Na verdade no dia 2 de janeiro de 2003 tinha apenas dois diplomas: o de torneiro mecânico certificado pelo Senac e o de Presidente da República certificado pelo Congresso Nacional Brasileiro.

Aprendemos que nenhuma autoridade guindada pelo voto popular ao posto máximo do país – a Presidência da República – conseguiria sobreviver muito tempo como força política se não contasse com o beneplácito dos formadores de opinião, dos luminares da academia e da classe artística, dos colunistas de plantão nas revistas e jornais de maior tiragem diária e semanal. Lula contrariou isso. É denunciado sistematicamente como embuste pelo príncipe dos sociólogos Fernando Henrique Cardoso, é visto como quem infunde terror à ex-namoradinha do Brasil Regina Duarte, é desancado de forma grosseira por Caetano Veloso, é satanizado semanalmente por colunistas da revista Veja e está bastante longe de contar com o olhar benevolente da Rede Globo de Televisão.

Aprendemos que, com o mundo se tornando aldeia global, e o processo de globalização galopando livre, leve e solto nos campos da iniciativa privada e do neoliberalismo, saber ao menos a língua inglesa seria meio caminho andado para o sucesso. Lula não pode dispensar o tradutor em qualquer conversa com não-nacionais. E seu tradutor não pode ser qualquer um: tem que entender e falar inglês, francês, espanhol, russo, farsi, alemão, italiano, japonês e árabe.

Aprendemos que, havendo a imprensa ocupado o chamado Quarto Poder desde meados do século 19, ninguém poderia ser eleito para cargo público de relevo se não contasse de antemão com o apoio dos mais expressivos e influentes órgãos da imprensa. Lula contrariou essa tese, sempre se elegeu... apesar da imprensa e, em especial, da grande imprensa.

Aprendemos que para bem governar o Presidente deve passar a mão na cabeça da imprensa três vezes ao dia: ao amanhecer, ao meio-dia e ao anoitecer. Do contrário é preparar os nervos para resistir ao milionésimo ataque da fera ao seu governo. Do contrário a imprensa estaria sempre emparedada no círculo vicioso que vitimou do ex-ministro da economia Rubens Ricupero, aquele do indiscreto bordão “o que é bom a gente esconde, o que é ruim a gente divulga”. É oportuno resgatar entrevista à Folha de S. Paulo, de 22/10/2009, em que Lula afirmou: “Eu não acho que o papel da imprensa é fiscalizar. É informar. (...) Para ser fiscal, tem o Tribunal de Contas da União, a Corregedoria-Geral da República, tem um monte de coisas... a única coisa que peço a Deus é que a imprensa informe da maneira mais isenta possível, e as posições políticas sejam colocadas apenas em seus editoriais”. Exatamente uma semana depois (29/10/2009), discursando em São Paulo para uma plateia formada por catadores de materiais recicláveis, o mesmo Lula criticou o trabalho da imprensa, o que levou o público, estimado em cerca de 3.000 pessoas, a vaiar o grupo de jornalistas que acompanhava o seu discurso.

Naquela ocasião o presidente recomendou que os repórteres não interpretassem para dizer em seguida que “os formadores de opinião já não decidem mais (...) porque o povo não quer mais intermediário. Hoje vocês têm a oportunidade de fazer a matéria da vida de vocês. Se vocês esquecerem a pauta do editor de vocês e se embrenharem no meio dessa gente (...) aproveitem para conversar sobre a vida deles (...) Publiquem apenas o que eles falarem. Não tentem interpretar". Lula, ao receber o prêmio de Brasileiro do Ano da revista IstoÉ, na noite de 7/12/2009, afirmou em discurso de agradecimento que “teria vontade de "se suicidar" se olhasse as manchetes da imprensa...”


Aprendemos que, para um Presidente abordar temas internacionais em geral, política mundial, economia planetária, contatos com Chefes de Estados, relações com as Nações Unidas etc é exigido que este detenha profundo conhecimento de cada tema, expertise diplomática tarimbada por muitos anos no ora carcomido circuito Helena Rubinstein (Londres, Paris, Roma, Washington, Nova York, Moscou e Tóquio) e considerável jogo de cintura para não queimar o filme do país. É fato que, não obstante protestos generalizados, Lula trouxe ao Brasil o controvertido presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad e antes deste chegar a Brasília, também estendeu boas-vindas em solo nacional ao não menos polêmicos presidente israelense Shimon Perez e ao chefe da Autoridade Palestina Mahmud Abbas.

Aprendemos que para o país ficar bem na foto teria que se alinhar automaticamente com políticas e agendas formuladas por países como os Estados Unidos, o Reino Unido, a França e o Japão. Lula mudou os figurantes da fotografia. Além de manter boas relações com estas quatro potências, trouxe para seu lado a Venezuela de Hugo Chávez, a Bolívia de Evo Morales, Cuba dos irmãos Castro, e ainda conseguiu liderar com folga os chamados BRICs, que inclui na foto emergentes continentais como China, Índia e Rússia.

Aprendemos que para termos uma economia sólida, funcional e confiável é necessário que o papel do Estado seja mínimo e que o Deus-mercado tem que permanecer intocável, como Zeus em seu ilusório Olimpo. Aprendemos também que política pública que se preze não pode desconsiderar os efeitos benéficos que advêm com as privatizações. Lula contrariou mais este cânone. Ante a crise econômica mundial que se avizinhava partiu pra cima com o discurso que para o Brasil tratava-se de uma “marolinha” e que a crise fora feita “por gente branca, de olhos azuis”. Chamou o FMI e o Banco Mundial aos carretéis e denunciou a jogatina em que se transformara a economia mundial. Não privatizou e vociferou contra algumas desastradas privatizações do passado recente: Sistema Telebrás, Companhia Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Nacional etc.

Aprendemos que Presidente da República, Chefe de Estado, não pode descuidar da liturgia que o cargo impõe. Lula mexeu muito com isso. Na maioria dos discursos menciona termos e chavões do futebol, simplifica teorias econômicas com o uso de metáforas futebolísticas, de conversa de compadres. E coloca boné do MST, veste camisa do Corinthians, coloca cocar de índio Kiriri na cabeça, vibra como torcedor apaixonado e sem medo de ser feliz pula, chora, grita e abraça quem está por perto como fez, quando em Copenhague, o Rio de Janeiro foi escolhido para sediar as Olimpíadas de 2016. É a antiliturgia do cargo em ação. É o presidente-mascate a vender produtos brasileiros no exterior. Apenas com a visita do intolerante Ahmadinejad foram firmados 63 acordos internacionais e as exportações brasileiras para o Irã saltarão de US$ 1,2 bilhão para US$ 10,8 bi ao ano.

Aprendemos que presidente da República tem que estar sempre medindo forças com a oposição, demarcando seu território, viabilizando seu governo. Lula inverteu essa lógica. Troca figurinhas com Aécio Neves e com José Serra, demonstra apreço por sua ex-ministra Marina Silva, não responde a Fernando Henrique Cardoso quando este se põe a remoer a inveja com tantas das vitórias do “despreparado” petista. Lula consegue manter, lado a lado, na defesa de seu governo políticos antípodas como Jacques Wagner e Geddel Vieira Lima, José Sarney e Michel Temer, Fernando Collor e Renan Calheiros, Ana Julia Carepa e Jader Barbalho, Sérgio Cabral e o casal Garotinho. Mesmo fazendo essa exótica e bem-sucedida engenharia política Lula não pode nos apresentar qualquer diploma de conclusão de curso de ciência política, de história das instituições políticas brasileiras, de sociologia política. Em matéria de ostentação de diplomas acadêmicos é nada mais que um rotundo fracasso.


Aprendemos que para ser um bom Presidente da República há que se fiar muito na competência e na formação adquirida ao longo da vida. Há que confiar muito na experiência e tarimba conseguidas através do exercício de cargos executivos, de preferência, começando como prefeito, passando a governador e de lá a presidente. Se no meio tempo tiver sido deputado estadual, senador... ainda melhor. Pois bem, Lula contrariou tudo isso. Nunca foi prefeito e muito menos governador. Só foi eleito para a Câmara dos Deputados. E como Deputado Federal causou estupefação com aquela famosa frase depois adotada pela MPB: “o Congresso Nacional abriga 300 picaretas”. Sua competência só podia ser mensurada pela passagem na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Em ambiente tão improvável ele criou um partido político, formou lideranças populares, liderou conglomerado de siglas partidárias, perdeu três eleições para Presidente (1989/1994/1998) e se elegeu presidente duas vezes (2002/2006). Lula provou que ter sorte é mais que mero acaso.

Em seu governo viu a autosuficiência do país em petróleo; descobriu extensas reservas do ouro negro no Pré-Sal; trouxe para o Brasil a Copa do Mundo de Futebol 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016; autorizou o Tesouro Nacional a emprestar US$ 10 bi ao FMI; criou e gerenciou o maior programa mundial de distribuição de renda – o Bolsa-Família; está colocando uma pá de cal sobre a indústria da Seca que mantinha os Estados nordestinos à mercê dos coronéis com o avanço das obras de transposição do rio São Francisco.

Em meio a tudo isso, há menos de 48 horas, Lula pode deitar a cabeça no travesseiro com a notícia da Pesquisa Ibope dando conta que era bem avaliado por estupendos 78% da população brasileira. Sui generis. Esse novo recorde é certificado por nada menos que o Instituto de Pesquisa Datafolha, do jornal Folha de S.Paulo. Nesta pesquisa, 17% consideram seu governo “regular” e apenas 4% consideraram o governo “ruim/pésssimo”.

Faço o destaque porque parece ser recorrente que os números do Datafolha, ao menos nesta eleição presidencial 2010 tendem a sistematicamente contrariar os resultados de seus congêneres Ibope, Sensus e Vox Populi. Curiosamente os congêneres são contrariados porque vêm apresentando o crescimento “sustentado” da candidata governista e o refluir de votos do candidato oposicionista, nestes últimos Institutos a taxa de rejeição da candidata reflui e a do candidato oposicionista aumenta e assim por diante. Não precisamos ser futurólogos para perceber que três institutos de pesquisas mostrarão nas próximas semanas números robustos dando conta da transferência da popularidade presidencial para sua candidata. E, no encalço destas, saberemos que o contraponto ficará por conta do Datafolha, diminuindo a “transferência”, invertendo as inflexões das curvas estatísticas... até que, cansados, oferecerão um vistoso cavalo-de-pau que, como meio de arrumação matemática, conformarão seus números com os demais. Uma coisa é certa: seja quem for eleito em 3 de outubro de 2010 para governar o Brasil a academia deverá dedicar seus esforços para entender os misteriosos mecanismos que regem alguns de nossos institutos de opinião pública.

A trajetória de Luiz Inácio Lula da Silva é em si mesma, um vigoroso libelo contra algumas mentiras que parecem verdades. Lula é o brasileiro que mais vezes se candidatou à presidência da República do Brasil, sendo candidato a presidente cinco vezes. Curioso constatar que em 2006 ultrapassou Rui Barbosa, que se candidatou quatro vezes. Pois bem, de tanto ouvirmos as mentiras chegamos a pensar que eram verdades. E assim, gerações após geração de brasileiros descobriram outro Brasil possível. Aprendemos a ver sentido na expressão “nunca antes na história deste país” porque Lula vestiu estas palavras com novos significados. Queiramos ou não foi o que aconteceu.


Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Presidente Lula abre espaços na África

O presidente Lula bate na tecla de que a cooperação entre a África e o Brasil é particularmente positiva para o continente africano, porque tal relação se dá sobre uma base de solidariedade.

É com esse caráter que o Brasil procura se diferenciar do que já é oferecido pelos países desenvolvidos e até mesmo países emergentes, como a China.

Os chineses são de longe os que alimentam relações comerciais mais intensas com a África. O comércio entre a China e os países africanos já supera US$ 100 bilhões, cerca de quatro vezes mais que o Brasil.

A seu favor, o governo brasileiro cita um crescimento estelar nos últimos sete anos – os da era Lula. Entre 2002, início do governo, e 2009, o comércio saltou de US$ 6 bilhões para US$ 24 bilhões entre o Brasil e o continente.

Em particular com o grupo de 15 países do oeste africano, o comércio foi de US$ 1,8 bilhão para US$ 6,8 bilhões no mesmo período.

Além do quê, em várias ocasiões porta-vozes dos países africanos expressaram sua indignação com o fato de a China investir em projetos no continente, mas importar a mão-de-obra requerida para os empreendimentos – anulando assim um dos benefícios mais evidentes do investimento externo, a criação de empregos.

Já o Brasil, como lembrou o presidente, está criando na cidade de Redenção, no Ceará, uma universidade para 10 mil alunos – 5 mil brasileiros e 5 mil africanos – que deverá capacitar jovens africanos com o objetivo de que eles voltem para o continente e engrossem "os quadros de que a África tanto precisa" para se desenvolver.

O presidente também citou parcerias na área agrícola, incluindo 35 projetos que o escritório da Embrapa, a agência agrícola brasileira, desenvolve em 16 países africanos, totalizando US$ 10 milhões.

O representante regional da Embrapa em Acra, Gana, Leovegildo Lopes de Matos, disse à BBC Brasil que a transposição de experiências do Brasil para a savana africana "mudará a forma como os países africanos veem a cooperação agrícola".

As parcerias neste setor inauguraram o que o governo brasileiro já chama de "diplomacia sul-sul-norte", na qual recursos de países desenvolvidos alimentam as iniciativas acertadas entre países em desenvolvimento.

Ao falar durante o encontro entre o Brasil e os países africanos, o presidente da comissão executiva da CEDEAO, James Victor Gbeho, disse que as parcerias com o Brasil são "sem precedentes".

"Entretanto, o relacionamento não pode ser apenas sentimental", afirmou. "Desejamos uma relação dinâmica que melhore os padrões de vida de nossos povos." (Da BBC Brasil)

José Serra ASSUME PATERNIDADE DE FILHO DOS OUTROS

A campanha de José Serra (PSDB) tem batido na tecla de que foi ele o responsável pela emenda à Constituinte que propiciou a criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e que ele também teria sido o grande responsável pela criação do Seguro Desemprego. “Foi o Serra que criou o maior patrimônio dos trabalhadores brasileiros, o FAT, Fundo de Amparo ao Trabalhador. Ele criou também o Seguro desemprego”, repetiu várias vezes o locutor do programa do PSDB, levado ao ar esta semana na TV.
Ele mesmo também não se cansa de alardear aos quatro cantos. “Fui o autor da emenda à Constituição brasileira que instituiu o que veio a ser o Fundo de Amparo ao Trabalhador, o FAT”. “O Fundo, hoje, é o maior do Brasil e é patrimônio dos trabalhadores brasileiros, e financia o BNDES, a expansão das empresas, as grandes obras, os cursos de qualificação profissional, o salário dos pescadores na época do defeso”, diz. “Graças ao FAT, também, tiramos o Seguro Desemprego do papel e demos a ele a amplitude que tem hoje”, repetiu o tucano na Convenção Nacional do PTB.
Mas, a realidade dos fatos não confirma as afirmações de José Serra e nem as de sua campanha. O Seguro Desemprego não teve nada a ver com sua atuação parlamentar. Ele foi criado pelo decreto presidencial nº 2.283 de 27 de fevereiro de 1986, assinado pelo então presidente José Sarney. O seguro começou a ser pago imediatamente após a assinatura do decreto presidencial. O ex-presidente José Sarney já havia desmentido as declarações do tucano em relação ao Seguro Desemprego. “Não sei de onde ele [Serra] tirou que criou o seguro-desemprego. O seguro foi criado no meu governo. Na época, ele [Serra] era secretário de Economia e Planejamento do governador Franco Montoro”, explicou o senador.
Depois, a Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, determinou em seu art. 239, que os recursos provenientes da arrecadação das contribuições para o PIS e para o PASEP fossem destinados ao custeio do Programa do Seguro Desemprego, do Abono Salarial e, pelo menos quarenta por cento, ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico, esses últimos a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES.
Fomos então pesquisar a data exata da criação do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) já que Serra diz que foi uma emenda sua que propiciou a criação do fundo. Está lá nos anais da Câmara. O FAT foi criado pelo Projeto de Lei nº 991, de 1988, de autoria do deputado Jorge Uequed (PMDB-RS). O projeto diz textualmente: “DISCIPLINA A CONCESSÃO DO SEGURO DESEMPREGO, NA FORMA QUE ESPECIFICA, E DETERMINA OUTRAS PROVIDÊNCIAS. NOVA EMENTA: REGULA O PROGRAMA DO SEGURO DESEMPREGO, O ABONO SALARIAL, INSTITUI O FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR - FAT, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS”.
Como José Serra seguia insistindo em afirmar que foi ele o autor da lei que criou o FAT, fizemos então uma extensa pesquisa nos arquivos da Câmara dos Deputados da década de 80 e 90. Lá confirmamos que José Serra não está falando a verdade. Ele apresentou o projeto de lei nº 2.250, de 1989, com o objetivo de criar o Fundo de Amparo ao Trabalhador. Foi apresentado em 1989. Portanto, não foi na Constituinte, como ele diz. O seu projeto tramitou na casa e foi considerado PREJUDICADO pelo plenário da Câmara dos Deputados na sessão do dia 13 de dezembro de 1989. O resultado da tramitação pode ser visto aqui no link da Câmara Federal. Os deputados consideraram o projeto prejudicado pelo fato de já ter sido apresentado o PL 991/1988, de autoria do deputado Jorge Uequed (PMDB). Ou seja, um ano antes de Serra já havia a proposta de criação do FAT.
Nem o FAT foi criado por Serra e nem o Seguro Desemprego “saiu do papel” por suas mãos, como afirma a sua propaganda. A campanha tucana sobre Serra ter criado o FAT e “vestir a camisa do trabalhador” está, portanto, toda ela baseada numa farsa e numa mentira. Sérgio Cruz/Hora do Povo
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...