Há dois Brasis: um, o que a imprensa diz que existe e gostaria que existisse realmente. Outro, o Brasil real, em que vivem os brasileiros de carne e osso, o Brasil realmente existente. Os dois em contradição entre si.
Um dos temas recriados pela imaginação da imprensa é o do “fracasso” da política externa brasileira. Lula, Celso Amorim, todos os que representam o governo brasileiro em política externa, viveriam cometendo “gafes”, as pretensões brasileiras se revelam vãs nas suas propostas, Lula a todo momento estaria “desgastando sua imagem” pelas posições que toma. Tudo estaria errado e daria errado. O Brasil seria um desastre para o mundo – segundo a imaginação e a vontade dos Frias, dos Marinhos, dos Civitas, dos Mesquitas, e dos seus ventríloquos.
Recordemos que a política exterior de FHC era de absoluta subserviência aos EUA. (Celso Lafer, ministro de Exterior do governo FHC, submeteu-se docilmente a tirar os sapatos para serem revistados no aeroporto de Nova York, até esse ponto chegou a subserviência.) Os dois países deveriam concluir as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), contra a qual tinham se desenvolvido grande quantidade de mobilizações por todo o continente.
Na primeira grande virada de orientação, o governo Lula, mediante seu ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, fez com que abortassem essas negociações e, com elas, o projeto da Alca. Abriram-se assim os espaços para o fortalecimento do Mercosul e a criação das outras formas de integração regional que conhecemos – Banco do Sul, Unasul, Conselho Sulamericano de Defesa, Comunidade das Nações da América Latina e do Caribe, Alba, entre outras.
Assim foi se definindo uma das prioridades centrais do governo Lula, em ruptura com as orientações do governo FHC: integração regional no lugar de Tratados de Livre Comércio com os EUA, linha demarcatória fundamental para diferenciar os governos dos países do continente.
Nenhuma dúvida sobre o sucesso dessa linha política, não apenas pela sua correção, priorizando os países latinoamericanos, rejeitando as políticas de livre comércio dos EUA, assim como pela sua efetividade, que nos permite ter alternativas de intercâmbio comercial. A crise recente revelou, de forma ainda mais, clara como essa opção – ao contrário de países como o México, o Perú, a Colombia, que optaram pelos TLCs com os EUA – permite enfrentar as dificuldades externas, com a diversificação do comércio exterior brasileiro.
Da mesma forma que a extensão dessa prioridade com as alianças com os outros países do Sul do mundo, da Ásia, da África, do Oriente Médio, que ampliou como nunca a presença brasileira no mundo, ao mesmo tempo que deu posibilidades de diversificar o comércio internacional do Brasil. Este fator foi fundamental para a capacidade brasileira de superar rapidamente a crise internacional – a mais profunda desde a de 1929 -, sobretudo pela manutenção da demanda da China, que se tornou o principal parceiro internacional do Brasil superando os EUA.
Mas a presença brasileira se fez tambem nos grandes foros internacionais, com a defesa da posição dos países do Sul do mundo, a crítica dos responsáveis pela crise internacional, pela crítica ao caráter antidemocrático da ONU, entre outros temas.
Mais recentemente, o Brasil passou a se interessar pela situação do Oriente Médio, a partir da crítica de que os EUA nao podem ser o mediador da paz, porque estão excesivamente envolvidos no conflito, do lado de Israel – o destinatário da maior ajuda militar norteamericana no mundo, além de aliado estratégico dos EUA na regiao. As posições de Lula de crítica dos novos assentamentos judeus em Jerusalem, além do direito dos palestinos terem um Estado soberano como é o israelense, expressa no Congresso de Israel, foram reafirmadas poucos días depois pelos EUA, Russia, Uniao Européia e a ONU.
O reconhecimento de Lula como grande estadista, pela imprensa internacional, e por grande quantidade de governantes do mundo, em contradição expressa com a forma como a imprensa brasieira trata essa atividade, parece molestar a esta, assim como molesta a FHC. Este, que pretendía ser o grande estadista brasileiro no mundo, foi rápidamente esquecido, diante do sucesso de Lula e da política externa brasileira.
Parece que os tucanos e a mídia local – numa atitude totalmente provinciana – sentem falta da política externa subserviente a Washington, de desprezo pela América Latina, voltada para o Norte do mundo, espelhada na afirmação de que “o Brasil nao deveria ser maior do que é”.
A cobertura internacional da imprensa brasileira é péssima, os “enviados especiais” e os comentaristas locais sáo de uma ignorância ímpar sobre a América Latina e o mundo todo, provincianos, repetem o que diz a imprensa do Norte. Ficaram no tempo da guerra fría, da SIP (Sociedade Interamericana de Prensa), não entendem o mundo de hoje, nem o novo papel, do Sul do mundo, da América Latina e do Brasil em particular.
Por isso pintam um Brasil que não existe, um mundo que não existe, de costas para a realidade. Enquanto o Brasil real, a América Latina real, o mundo real, seguem girando, na direção oposta das ilusões e das mentiras da imprensa.
Postado por Emir Sader às 08:25
2 comentários:
concordo
Boa sorte Denilson na divulgação de suas idéias!
Gostei da "Coisa"...um grande abraço!
Paz e Bem!!!
Ramiro Grossi
Vereador PT
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